quarta-feira, 5 de março de 2008

Chapéus

Naquela manhã sombria, a Dona Ermelinda tinha envelhecido dez anos debaixo do chapéu negro, onde escondia as lágrimas e o desgosto. Saiu compenetrada, amarrou o choro e vestiu o papel de viúva redimida e silenciosa. Nem sempre fora assim, a Dona Ermelinda. Quem a conheceu noutros dias mais soalheiros, dizia que era impossível resistir à sua simpatia e simplicidade. Quando os seus olhos verdes rasgados e vivos espreitavam por debaixo do enorme e rude chapéu que envergava na sua juventude, tudo se enchia de alegria. Ninguém ficava indiferente a tanta beleza e ingenuidade. Recordo outro chapéu memorável na vida da doce Ermelinda. Não devia ter vinte anos completos, quando recebeu envergonhada um inesperado presente de um jovem da aldeia. Um simples chapéu de palha com uma fita preta às bolas brancas. Simples, mas diferente como Ermelinda. Jamais se esqueceria daquele fim de tarde junto ao mar. Era Outono e o seu amável pretendente tocava-lhe suavemente na mão. "Que bem te fica esse chapéu", dizia ele a medo, enquanto o rosto dela se enchia de cor. Tenho a certeza que era neste chapéu que a minha avózinha pensava, quando secava as lágrimas naquela manhã sombria em que via pela última vez o meu avô.

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